Para o antropólogo é inevitável, ao término de uma jornada como a “Expedição São Paulo 450 anos”, fazer referência a Lévi-Strauss, que esteve por aqui nos anos 30, quando da fundação da USP. Apesar de seu interesse pelos ameríndios, a cidade não lhe passou despercebida. A presença dos imigrantes, a dinâmica dos mercados populares, o artesanato e as festas tradicionais nos arredores de São Paulo despertaram sua atenção; foi daí, aliás, que surgiu a Sociedade de Etnografia e Folclore presidida por Mário de Andrade.
De lá para cá os “arredores” da cidade mudaram de escala, como os atuais viajantes pudemos notar. Também constatamos, in loco, o que havia sido proposto no início da Expedição: ao contrário da perspectiva que costuma enfatizar o caos e a fragmentação da metrópole, esperávamos detectar permanências, arranjos coletivos, sistemas de reciprocidade – enfim, toda aquela rede de sociabilidade sem o que “a vida social, nas suas múltiplas dimensões, já há muito estaria impossibilitada, no cenário dessa megalópole”, conforme estabelecia o conceito de base. Um balanço ao término da jornada mostrou o acerto da suposição inicial e da metodologia empregada.
A primeira constatação foi que tanto os pesquisadores convidados para perscrutar a cidade, como os estudantes e todo o grupo de apoio foram transformados por ela. Cansados, ainda sem poder elaborar a infinidade de sensações, imagens e depoimentos, todos foram unânimes num ponto: seus esquemas conceituais terminaram sendo revistos, alargados. A variedade e complexidade dos arranjos dos moradores que nos receberam em suas casas, contaram suas histórias e deram suas opiniões, nos diferentes contextos de habitação, religiosidade, lazer e trabalho, mais o inevitável confronto com o olhar do colega de caminhada (que tanto podia ser um antropólogo, como um urbanista, arqueólogo, museólogo, ambientalista, sociólogo, historiador, etno-musicólogo, geógrafo, médico ou fotógrafo) se impuseram, abrindo novos ângulos de observação.Aqui você pode ler algo sobre el Museu de Antropologia USP.
Ao longo de uma semana foram visitadas favelas, grupos de rap e hip-hop, clubes de futebol de bairro, escolas de samba, locais de culto, telecentros, cooperativas, instituições voltadas para a saúde, educação e cultura; a cidade foi vista de cima, no topo de um heliporto na avenida Paulista e do fundo da cratera produzida por um meteorito, em Vargem Grande, no extremo sul; foram percorridas as entranhas do metrô, as ruas do centro, as vielas de conjuntos habitacionais e de parques e até quadras de cemitérios.
O que mais surpreendeu, porém, não foi essa lista – certamente incompleta – mas o intercâmbio das funções: o clube de futebol que abriga uma escola, o cemitério que é apropriado como parque, o local de culto onde o rapper aprende a ler partitura musical, o espaço escolar que oferece lazer, a associação de moradores onde se faz artesanato e serve de convivência para idosos. Seus agentes sabem como operar essas passagens, abrindo caminho entre os meandros do poder público e das instituições privadas e até entre os perversos mecanismos da ilegalidade: neste caso o que garante a inevitável negociação é um conjunto de condutas conhecido simplesmente como “procedimento”.
Mas não foi um olhar ingênuo ou romântico: a “dura realidade” estava em todo o percurso – nas formas da violência e sensação de insegurança, da carência de equipamentos, da degradação ambiental – não apenas como um vago pano de fundo, mas impondo-se a cada momento, suscitando, porém, as criativas respostas dos moradores às condições de vida com que se deparam nesta São Paulo de 450 anos e que terão lugar no acervo do Museu da Cidade.
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