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Notas

1Artigo publicado na revista Sociedade e Estado XVI (1/2). Brasília: UnB/Departamento de Sociologia, 2002. O texto é uma versão ligeiramente modificada de uma comunicação apresentada no XXV Encontro Anual da Anpocs (Caxambu, outubro de 2001). Agradeço aos coordenadores e participantes do seminário temático «O paradigma da dádiva e as ciências sociais no Brasil» pelos comentários e sugestões oferecidos naquela ocasião.

2 É assim que, sem deixar de reconhecer a coexistência entre as trocas de dons e as relações mercantis em diferentes universos sociais, mas considerando-as como fundamentalmente opostas, Jacques Godbout e Alain Caillé propõem que a «dádiva entre estranhos», realizada sem expectativa de retorno material, seja considerada o locus por excelência da «dádiva moderna» (Godbout e Caillé, 1999).

3 Um exemplo da fecundidade desta perspectiva pode ser encontrado em Lanna (1995), que propõe uma leitura original do estado brasileiro inspirada pelo texto clássico de Mauss.

4 A expressão é do historiador Fernand Braudel, que sustenta justamente que o capitalismo não reunifica toda a economia sob um único código (cf. Bevilaqua, 2000).

5 As instituições pesquisadas foram o Procon-PR (Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor), a Delcon (Delegacia Especializada em Crimes contra a Economia e Defesa do Consumidor) e o Juizado Especial Cível que, embora não seja uma instituição especificamente destinada à defesa do consumidor, recebe grande número de casos envolvendo relações de consumo. A pesquisa também envolveu uma organização não-governamental, a Adoc (Associação de Defesa e Orientação do Cidadão), cujas peculiaridades não serão tratadas neste texto.

6 A analogia entre os dois autores proposta por Sahlins seria criticada mais tarde por Jonathan Parry, que chama a atenção para outra diferença essencial entre as perspectivas de Hobbes e Mauss. O primeiro toma como referência o indivíduo e, a partir de um estado ‘originalmente’ atomizado da humanidade, examina as condições da criação de uma unidade de nível superior. Mauss parte do grupo, invertendo desse modo a seqüência: de um holismo original, a humanidade e as instituições humanas teriam se tornado atomizadas (cf. Parry, 1986:457).

7 Remeto em particular ao ensaio «Da inimizade: forma e simbolismo da guerra indígena», de Carlos Fausto (1999), que constitui a principal referência da reflexão desenvolvida aqui sobre as relações entre a guerra e as trocas pacíficas. As hipóteses que desenvolvo se afastam apenas ligeiramente da argumentação deste autor, sobretudo em razão do contexto enfocado e dos objetivos da análise.

8 Sobre a abrangência do campo semântico do termo «guerra» na vida cotidiana e em certas vertentes das ciências sociais, ver Leirner (2001), de onde provêm os exemplos citados.

9 Utilizo aqui o par ‘consumidor’ e ‘fornecedor’, embora este último termo não seja corrente na linguagem cotidiana, para enfatizar o sentido de oposição entre duas categorias gerais. Tal como no uso consagrado pela legislação, ‘fornecedor’ abrange aqui o conjunto de agentes responsáveis pela produção, distribuição e comercialização de bens e serviços no mercado de consumo.

10 Isto não significa assumir a existência de uma diferença irredutível entre dois tipos de guerra – «indígena» e «moderna» -, mas tão somente reconhecer que o viés predominante das análises sociológicas sobre a guerra não contempla questões dessa natureza, orientando-se quase sempre por uma associação imediata com a problemática do Estado. Para uma crítica original da noção segundo a qual haveria uma mudança significativa de natureza entre a guerra que é realizada pelo Estado e a guerra realizada por sociedades não-estatais, ver Leirner (2001).

11 Como ensina Louis Dumont, na medida em que os termos de uma oposição não têm a mesma relação com o todo que eles compõem, sua diferenciação é inseparável de uma referência a esse todo que os ordena e hierarquiza um em relação ao outro. Dito de outro modo, o valor relativo de um par de termos é constitutivo de sua distinção de fato (cf. Dumont, 1992:373).

12 Assim, a vantagem do fornecedor não está apenas no fato de pertencer a ele a iniciativa da relação (pela oferta pública de bens ou serviços), mas no próprio conteúdo de sua oferta. Como observa Mauss ao analisar os dois sentidos da palavra gift nas línguas germânicas (presente e veneno), o dom oferecido «pode ser um veneno; em princípio, salvo sombrio drama, não o é; mas sempre pode vir a sê-lo» (Mauss, 1999 [1924]:366).

13 O consumidor não pode interferir, a não ser residualmente, no conteúdo dos contratos formais e informais que celebra a cada passo da vida cotidiana. Do trajeto da linha de ônibus ao preço da passagem, do horário de funcionamento dos bancos às tarifas cobradas, do conteúdo dos contratos de aluguel ao crediário no comércio, não há escolha: ou o consumidor adere às condições impostas ou abre mão do negócio. O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado, aliás, foi o que conduziu os ordenamentos jurídicos estatais contemporâneos ao estabelecimento de um aparato legal e institucional para a salvaguarda de seus interesses.

14 O desdobramento do conflito pode levar inclusive à morte ritual do consumidor – isto é, seu banimento do mercado, pela inscrição de seu nome em cadastros como SPC e Serasa -, mesmo que o não-pagamento dos valores devidos tenha sido motivado inicialmente pela falha do próprio fornecedor em cumprir as condições contratadas. O consumidor, ao contrário, não dispõe de nenhum recurso equivalente, isto é, não pode retribuir à altura quando o bem recebido não corresponde às expectativas. Sob este aspecto, cabe evocar novamente as reflexões de Mauss, que observa:  «No caso em que a prestação feita não é retribuída na forma jurídica, econômica ou ritual prevista, o doador leva vantagem sobre aquele que participou do festim e absorveu suas substâncias, sobre aquele que desposou a filha ou se ligou pelo sangue, sobre o beneficiário que faz uso de uma coisa encantada com toda a autoridade do doador» (Mauss, 1999 [1024]:365).

15 Em regra, não se dá ou pede nota fiscal, os prazos de entrega são acertados verbalmente e quase nunca se redige um contrato sobre a prestação de serviços. Mesmo quando o negócio é formalizado, o que é mais comum entre grandes empresas, tal prática responde antes de tudo aos objetivos do próprio fornecedor – o controle interno das operações efetuadas e o desejo de evitar problemas com o fisco -, não constituindo prioritariamente algo destinado a oferecer garantias ao consumidor.

16  Evidentemente, a possibilidade de exit não está ausente das relações de consumo. Em inúmeras situações da vida cotidiana, o consumidor insatisfeito silenciosamente deixa de adquirir o produto que, por alguma razão, não correspondeu às suas expectativas. No entanto, o próprio silêncio do consumidor confere a esses casos uma natureza diferente da que caracteriza aqueles a que me refiro aqui. É somente quando o consumidor decide se manifestar que se colocam  à prova – e então necessariamente –  a confiança e a afirmação de equivalência entre os parceiros que haviam operado inicialmente como penhor da transação.

17  Neste contexto, a superioridade do fornecedor não estaria em dar, mas na prerrogativa de receber sem retribuir adequadamente.

18  A interconexão moral/legal foi também observada em disputas em tribunais de pequenas causas norte-americanos (Cardoso de Oliveira, 1989 e 1996), o que indica se tratar de um fenômeno muito mais geral, ainda que possa assumir características particulares conforme o contexto.

19  A ausência do fornecedor às audiências é muito freqüente, em especial no Procon.

20  No Procon-PR, especialmente, a grande maioria das audiências termina sem acordo, o que obriga o consumidor a recorrer a outras instituições para obter a solução do problema.

21  O Cadastro de Defesa do Consumidor, editado anualmente pelo Procon por determinação legal, é uma espécie de ‘lista negra’ que relaciona empresas que tenham desrespeitado os direitos dos consumidores. O registro permanece por um período de cinco anos.

22  A afirmação da pessoa como um valor em situações relativas à esfera pública é assinalada também, em diferentes contextos, por Durham (1984), Lanna (1995) e Chaves (1996), entre outros.